27.3.07
Não há virtude mais doce do que a perda
Não há virtude mais doce do que a perda
o mergulho final no eterno oceano
a flutuação do corpo na memória
o inexaurível desespero.
Conheço o círculo por dentro e por fora
mas ignoro a saída etc., etc.
(Acabo de encontrar por acaso o meu passado
numa rua da baixa e a boca ficou-me amarga
mas talvez tenha sido da cerveja)
Quanto tempo leva a dizer o indizível?
1, 2, 3
1. É sempre o mesmo
é sempre uma outra coisa
2. Por agora existo mais logo tal-
vez pense
3. É o tempo que tem pó.
25.3.07
23.3.07
Ainda agora não sabemos o que queremos
e meu amor já vamos sabendo algumas coisas
e nada adianta a ignorância mas tudo a pode aprouver
que o mundo tem disto, ou nós queremos que o tenha,
mas curioso é o facto que não haja amor por vezes, mas pense sempre em ti
porque é um facto que deverias existir, não por mim,
mas por ti mesma.
A razão de tudo é sempre alheia e transcendente e existe
se assim o quisermos admitir.
Este é um discurso monologado e intransmissível
podendo ser sentido por quantos o queiram abarcar.
Não acredito em palavras grandes porque as palavras são
feitas do que lhe quisermos dar. E damos tão pouco.
Vistas as coisas do lado de dentro do ver, tudo é alheio ou
pouco mais, podemos dizer sem sermos cúmplices
no que admitimos analisar ou combater.
É vago o olhar e o sentimento e
só isso afinal nos resta.
Assistir até seria um bom verbo se não tivéssemos
os abutres às nossas résteas da verdade, que por vezes até ignorámos.
Voltamos sempre. Até ao dia em que vamos para sempre.
O poder das coisas é uma farsa engendrada por alguém.
Se tudo é fugaz que a liberdade se levante sempre.
Dum sorriso nasce tudo. Do esquecimento nasce o resto que nos falta.
Da ironia social pode crescer a individualidade sem
préstimo previsto ou irromper a evidência da
humanidade imprevista...
9.3.07
Porque não consigo abandonar a humanidade, apesar de todos os ácidos estragados que tomam constantemente, e ó raios me partam que bem falta me fazia, abandonar-vos por instantes, suicidar-me por umas semanas, todos os meus futuros textos terão voz plural na primeira pessoa, em vez do respectivo e repetitivo ego. Mas apenas como exercício de estilo, óbvio. Responsabilidade vossa, orgulho meu? Carência de púlpito e júbilo de autor alargado? Ou estarei farto deste ser que me habita e desprendo-me em nome de todos vós? Ser todos os meus leitores; não abnegação, não projecção, não redenção, não elevação, não oração. Simplesmente plural em nome de nada concreto, e não é isso a humanidade? Depois mandem-me calar quando vos aprouver. Voltarei então a tudo o que significa ser eu. Tranquilo e sem nada mais para acrescentar que não seja eu. Irredutível não é?
4.3.07
Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.
Sempre pertencentes a clubezinhos, grupitos religiosos, excursionistas alargados, comissionistas apertados, partidos em evolução, aposentados de projectos, empreendedores de novos grupos para o mesmo efeito, associados e cooperativos, dadores de sangue e vísceras, clubistas futebolísticos, dançarinos reformados, subversivos internetescos, gado dependurado, porcos grunhindo, bailarinas em estado de espera, pais preocupados, professores espancados, sindicalistas sem norte, obreiros sem filosofia, executantes sem princípios, almas sem futuro, crentes sem redenção, almoçadeiros em geral e jantadores em particular de agrado da esposa, jogadores de bisca e bebedores de ginginha, tudo, mesmo todos sem cidadania alargada e comprovada que o rebanho purifica e os demais desígnios sempre entregues aos demais designadores. A puta da sensação de fazer parte de algo, quando alguma coisa não se completa em nós. Tudo é sempre preferível a ficar só frente ao espelho. Irreconhecível esse cabrão à nossa frente, sacana de bastardo desconhecido e inútil. Aprazível, fazer parte de uma redenção a prestações. Orai, por via das dúvidas, na hora da nossa morte; Amén!
3.3.07
1.3.07
CROMOS MAIORITÁRIOS
A mesquinhez em Portugal ultrapassa em muito a inveja. Porque muitas vezes não se sabe aquilo que se inveja, enquanto ser mesquinho acontece tão naturalmente. É mais fácil ser natural que ascender a algo desconhecido. Nada impede, no entanto, que se inveje mesquinhamente o estatuto de alguém, ou a liberdade simples de um qualquer zé-ninguém.