25.5.08

 
Agora em memória de Álvaro Vieira
(escrito em Março de 2008, como um dos cem poemas para morrer, e por isso mesmo com óbvia falta de coragem para editar o mesmo à data)


Atento no sol desmaiando
ou submerso na manhã que raia
é o sangue que te irradia ainda

Apreendendo o tempo sem fio
entregue no espaço que te rodeia
é só estar o que te ocupa neste agora

Apagando a dor que nem conta
imerso no sentimento já vivido
é a hora que anuncia o jamais

Afagando a carne que se recolhe
sonhando as imagens que se esgotam
é o não chorar que te absolve do mais sentir

Acordando para nunca mais
e repleto do todo passado
é a certeza de já tudo ter sido

Adormecendo simplesmente
como em sesta de infância
é novamente hora de toda a verdade

24.5.08

 

Léo Ferré - La Solitude

... mesmo fora do tempo, como convém, uma radiografia que me retrata e projecta. O apontamento cinematográfico com o Tom Waits é uma mais valia, de contornos de solidão bem diferentes da minha, no entanto coincidente nisso mesmo, na solidão.


 
e já de seguida e fora do tempo...

 

Genesis - In The Cage - Lamb Live 1975

Há 33 anos, ó fedelhos armados em músicos, ó execráveis beckettianas gerações vindouras, do bué vetérrimo peter gabriel. Com os cumprimentos desta casa blogueira.


14.5.08

 
Revi ontem o programa respeitante ao que se segue abaixo e que inscrevi no SULturas-pasquim em 1998. Dez anos volvidos e parece-me ainda acutilante.

Ilustríssimo Dr. José Hermano Saraiva; vi, registei e reflecti, o seu programa televisivo acerca da terra de Albufeira. Quanto às bojardas emitidas com fundamento e duma maneira eloquente estamos definitivamente de acordo. Quanto à cura do cancro existente nesta Albufeira turística e quanto ao seu conhecimento sobre o turismo em si, já não posso dizer o mesmo. O problema no entanto é fruto de uma só coisa: a existência de labregos (tanto para aquilo em que concordo consigo como para aquilo em que discordo). Mas eu passo a explicar; foram labregos-construtores-civis, oriundos não se sabe bem de onde, que ergueram todas as aberrações arquitectónicas visíveis, com o aval óbvio de labregos-com-cifrões-nos-olhos, oriundos de estirpes incertas, os quais convenceram os indígenas locais, a troco de meia dúzia de pepitas e de uma pomposa ideia de progresso. Registe-se neste ponto que os últimos citados são os menos responsáveis, pois o resto do país também se encontra à venda pela melhor oferta. Mas adiante, ou antes não adianta, já que os ocupantes sazonais das citadas aberrações arquitectónicas são o supra-sumo dos labregos importados, ou sejam a tal casta que com um punhado de libras vem arrotar a Sagres (a cerveja), sem nunca ir à ponta do mesmo nome e desconhecendo quem foi o Infante. Este é o retrato fiel dos turistas que temos, embora não sirva de desculpa para coisa alguma. Aqui ao lado, na vizinha Espanha, de um peido sem pujança brota um reluzente marmelo. No nosso país todas as montanhas, organismos, gabinetes, ministérios e grandes calhaus, continuam simplesmente a parir ratinhos e de segunda categoria. Se o tal Lord inglês já dizia que Sintra era como "pérolas para porcos", Albufeira será a ostra maltratada já sem pérola para porcos armados em Lords. Coisas da vida. A cura para o problema que o Dr. mencionou, tem de passar pelo melhor aproveitamento dos imensos recursos humanos e do talento adormecido nos mesmos; isto para não me tornar chato e começar a divagar acerca de métodos, operadores, campanhas publicitárias, novas iniciativas, incentivos ao turismo e outras coisas civilizadas, que os congéneres nuestros hermanos já dominam há décadas. Voltando agora ao seu programa televisivo, gostei de ficar elucidado quanto ao bovino no antigo brasão da cidade, contudo, e a despeito do seu real peso histórico, tal simbologia poderia ferir algumas susceptibilidades, pois em plena época alta a proliferação de vacas loucas é muito elevada. De referir ainda a sua saudosa menção ao "arco do triunfo" do Eng. Duarte Pacheco, cai sempre bem, homem visionário e talentoso. Dando finalmente os trâmites por findos, enquanto não se organizam circuitos de visita aos pontos de interesse histórico-cultural, o turismo por cá vai-se valendo do sol que sempre gosta de nós, da natureza (a que ainda está intacta) que fala por si e jágora, do calor da alma lusitana pela sua original forma de se expandir. Onde é que existem na Europa pescadores-exímios-barmen-excelentes-cozinheiros-cantadores-recitadores-machos-comquecas-a-granel? Sermos únicos é a nossa mais valiosa riqueza.

 
Recado errado e deletado... Prossigamos

6.5.08

 
CARO SENHOR. POBRE E CORAJOSO SENHOR. O senhor é uma experiência do Criador do Universo. É a única criatura de todo o Universo que dispõe de livre arbítrio. É a única que tem de calcular o que fazer a seguir… e porquê. Todos os outros são robots, máquinas. Ao que parece algumas pessoas gostam de si, outras odeiam-no e deve interrogar-se sobre este ponto. Eles não passam muito simplesmente de máquinas de gostar de odiar. Sente-se confuso e desmoralizado. É perfeitamente natural. Não há dúvida que é cansativo ter de raciocinar continuamente num universo que não foi feito para ser racional. Encontra-se rodeado por máquinas de amar, máquinas de odiar, máquinas insaciáveis, máquinas altruístas, máquinas corajosas, máquinas cobardes, máquinas divertidas e máquinas graves. O único objectivo destas consiste em perturbá-lo de todas as formas possíveis, a fim de que o Criador do Universo possa observar as suas reacções. Têm possibilidades de sentimento e raciocínio iguais às dos relógios antigos. O Criador do Universo gostaria de apresentar as maiores desculpas não só pelos caprichos e opressões que providenciou durante o teste mas também pelas péssimas condições apresentadas pelo próprio planeta. O Criador programou robots, a fim de que o poluíssem ao longo de milhões de anos, para que quando o senhor chegasse não passasse de um queijo venenoso e deteriorado. Certificou-se igualmente de que estaria povoado de robots programados que independentemente das condições de vida adorariam mais do que tudo as relações sexuais e os filhos. Também programou robots para que escrevessem livros, revistas e jornais para si, e organizassem programas de rádio e televisão, bem como teatro e cinema. Escreveram canções para si. O Criador do Universo forçou-os a inventarem centenas de religiões a fim de lhe dar inúmeras possibilidades de escolha. Fez com que se matassem uns aos outros com esta finalidade única: a de o surpreenderem. Cometeram todas as atrocidades possíveis e todos os altruísmos possíveis insensivelmente, automaticamente e inevitavelmente a fim de conseguirem uma reacção S-U-A.

Kurt Vonnegut Jr.
In “Pequeno almoço de campeões”

4.5.08

 



Já lá vão quarenta anos. Foi em Maio. Foi em Paris. Germinou, eclodiu, propagou-se e murchou. Depois disso o mundo estudantil nunca mais foi o mesmo. Quatro décadas mais tarde encontramos confortavelmente conformados todos os inconformistas da “imaginação ao poder”. Os utópicos renderam-se à realidade dos tachos e o capitalismo, estava bem de se ver, simplesmente evoluiu, pondo ao seu serviço o poder criativo da “utopia”. Todas as gerações seguintes tiveram e terão uma simples herança desta balbúrdia descomunal: o exercício esclarecedor do sentido crítico, que afinal se pode conquistar sem barafunda ou atritos bastando para tal que não se perca de vista a liberdade de todos e a afirmação do indivíduo. A realidade social? Bem, essa é outra história.

“Contrariamente ao que se pretende fazer crer, os estudantes não se recusam a ser ensinados. Exigem simplesmente o direito de discutir o que se lhes ensina, de verificar que isso faz sentido, de terem a certeza de que não perdem o seu tempo. Não imagina o número de idiotices que me ensinaram quando eu era estudante…”
Jean-Paul Sartre

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